O mundo está passando por mudanças bruscas e bastante importantes. Tudo repercute na economia global e, por consequência, no mercado brasileiro. Para falar sobre o cenário global e as perspectivas para a economia, a Revista Sistema de Consórcios entrevistou o jornalista e comentarista econômico da CBN e do Jornal da Globo, Carlos Alberto Sardenberg.
Eleito em 2019 como o mais admirado jornalista de economia do país, Sardenberg é um dos profissionais mais influentes em sua área de atuação. Nesta entrevista, ele fala sobre os efeitos globais das decisões de Donald Trump e avalia o panorama brasileiro, considerando o atual quadro inflacionário e o cenário de juros altos.
Especialmente sobre o Sistema de Consórcios, o jornalista pondera que “as pessoas aprenderão a lidar melhor com suas finanças, a se programar, a planejar para o futuro. Consórcio cabe perfeitamente dentro desse pensamento”.
Bom, vamos começar pelo cenário global, que passa por um momento de grande instabilidade, basicamente criado pelas confusões do presidente americano, Donald Trump. A guerra tarifária e a introdução de tarifas muito elevadas ameaçam toda uma cadeia de produção que estava construída, armada há muitos anos na economia mundial. Hoje a produção é globalizada, as cadeias de produção passam por diversos países. Para que isso funcione bem, se exige um comércio livre e aberto.
Claro que há taxas comerciais que os países cobram entre si, mas as tarifas absurdas que o Trump tentou cobrar provocaram uma desorganização geral desse tipo de comércio. E isso leva a algumas situações ruins, como o aumento dos preços, porque os impostos maiores acabam sendo transferidos para o consumidor. Depois ele recuou, especialmente em relação à China, o que deu uma grande acalmada nos mercados.
A gente não sabe se é duradouro ou efêmero, porque o estilo de governo do Trump, num vai e volta, é muito confuso. O importante foi o recuo dele. As empresas americanas já estavam avisando seus fornecedores e clientes que os preços iam subir e que estavam sem insumos para produzir.
E um outro fator, que é muito importante: as bolsas de ações despencaram nos Estados Unidos com essa história do tarifaço. A classe média americana poupa na bolsa, ao contrário do Brasil. E ela teve uma perda enorme, que derrubou a popularidade do presidente.
Os países estão se ajeitando, tentando encontrar outros parceiros, e até o Brasil está procurando se acertar no ambiente geral. Mas ainda é um cenário de muita instabilidade. E uma variável importante, que são os Estados Unidos, não tem como saber para onde vai. Então, o perigo é você ter ao mesmo tempo inflação, por causa do preço dos impostos, e ter uma desaceleração da economia, por causa das cadeias de produção que serão interrompidas.
Existe essa teoria de que o Trump fala uma coisa absurda para depois negociar. Na verdade acho que, para dizer o mínimo, ele é uma pessoa muito despreparada para o cargo de presidente dos Estados Unidos.
A ideia de que se aumentar tarifas, acaba o déficit americano é errada. Os americanos têm déficit por uma razão muito simples: eles são ricos, gastam e consomem mais do que produzem. É a nação mais rica e com a renda mais alta do mundo. E se eles quiserem passar a consumir localmente os produtos que antes importavam, não tem como atender a demanda. É por isso que buscam produtos no exterior e é por isso que existe um déficit comercial. Não é algo só com os Estados Unidos, acontece com qualquer país que consome mais do que produz. Então achar que ter déficit comercial é ser roubado, para dizer concretamente, é uma visão estúpida de economia.
Claramente não. O regime de metas de inflação, vigente no Brasil, é aplicado no mundo inteiro. E a lógica desse regime, para simplificar bastante, é a seguinte: se os preços estão em uma tendência de alta, a taxa de juros é elevada para desaquecer a economia e provocar uma queda na inflação. Se inversamente a inflação está caindo, a taxa de juros é derrubada para estimular a economia. A inflação está muito acima da meta e também do teto da meta. E as expectativas são de que ela continue assim. Isso também é uma razão para manter os juros elevados.
Outro fator é o desajuste fiscal que o governo está fazendo. Nesse momento, estamos numa situação maluca, porque o Banco Central eleva os juros para desaquecer a economia e provocar uma queda nos preços. Do outro lado, o que o governo faz? Gasta dinheiro, dá crédito, como esse novo empréstimo consignado. A intenção é aumentar o consumo e, com isso, vai aumentar a inflação, porque o Brasil não tem produtividade e capacidade para atender toda a demanda. Quer dizer, um pisa no acelerador e o outro breca. É isso que está acontecendo. Então, nessas circunstâncias, o Banco Central não tem condições de reduzir juros. O governo poderia fazer um ajuste nas contas públicas e também colaborar para reduzir o consumo e, consequentemente, a demanda. Mas o governo está fazendo o contrário, está acelerando. Isso aí é difícil de resolver.
Exatamente. A inflação dos alimentos está alta e tem um fenômeno interessante: mesmo quando a inflação desacelera, os preços continuam elevados. Por exemplo, se em um mês um produto sobe de R$ 5 para R$ 10, a inflação foi de 100%, certo? Suponha que no mês seguinte ele continue custando R$ 10, a inflação foi 0% mas ele continua custando caro. A inflação cai, mas o preço continua alto. É o que está acontecendo no Brasil, e esse problema afeta a popularidade do governo, como a gente vê nas diversas pesquisas de opinião.
Colocando mais dinheiro para estimular o consumo e vai acabar estimulando a inflação. É uma bomba relógio. O próximo governo vai ter que fazer um ajuste fortíssimo, muito rigoroso nas contas públicas. As despesas obrigatórias estão crescendo mais do que o arcabouço fiscal permite. Isso comprime outras despesas que não são obrigatórias e levam o governo a uma falta de capacidade de investimento, o que é gravíssimo. Nessa linha, vai chegar uma hora que o governo vai ter que parar, porque não vai ter dinheiro para mais nada.
Há risco de perda de credibilidade nesse cenário fiscal?
Já tem uma perda de credibilidade. Estamos com os juros elevados e, mesmo assim, as projeções continuam sendo de inflação alta. Por quê? Porque falta credibilidade ao governo. A popularidade do presidente Lula está caindo por causa da inflação e por causa também das diversas outras coisas que o governo não realiza. Por exemplo, prometeu acabar com a fila do INSS, não acabou, e aí vem uma fraude. Prometeu acabar com a fila do SUS e ela continua complicada. Existe um sentimento dominante nos meios econômicos de que o governo vai aos trancos e barrancos até o final, e que vai deixar uma situação econômica com inflação ainda alta e contas públicas desajustadas. De tal modo, que o próximo presidente terá o trabalho de fazer um ajuste muito difícil. E o Brasil, infelizmente, é um país que não planeja os ajustes. Ele vai empurrando até a hora que chega uma crise grave.
A reforma tributária está em andamento, com promessas de simplificação e mais justiça fiscal. O senhor acredita que essa reforma será eficaz na melhoria do ambiente de negócios?
Certamente é uma reforma que busca isso. Ela efetivamente simplifica o sistema tributário brasileiro e permite uma grande redução de custos para as empresas. Possivelmente, essa redução pode ser transferida para o consumidor ou virar mais lucro. Mas é fato que essa reforma moderniza o sistema tributário e, nesse sentido, melhora a vida das empresas e das pessoas. O risco é que, no processo de sua implementação, acabem sendo introduzidos mecanismos que distorçam a proposta inicial. Temos que ficar de olho e vigilantes para que ela não seja, digamos assim, modificada demais no Congresso Nacional.
Olha, eu acho que é a escola que, na média, é ruim. Os alunos brasileiros tiram notas ruins nos testes nacionais e internacionais e isso não colabora em nada com a produtividade. Para produzir, você precisa de capital e trabalho, certo? Dado um volume de capital, o trabalho pode ser mais ou menos produtivo. Uma mesma fábrica de automóveis, por exemplo, pode ter uma unidade mais produtiva e outra menos produtiva. E isso decorre da habilidade e conhecimento de seus trabalhadores. O que nós precisamos claramente é de boas escolas, com uma grande mudança no sistema educacional brasileiro.
O saldo do comércio externo do Brasil se deve às commodities, como minério de ferro e petróleo, e aos produtos agropecuários. Especificamente sobre o agronegócio brasileiro, hoje ele é de altíssima tecnologia. Falamos há pouco sobre produtividade e, ao olhar para o conjunto da economia brasileira, o único setor em que houve ganho de produtividade nos últimos anos foi o agronegócio. A gente conseguiu produzir mais, a cada ano, pela introdução de novas tecnologias, pesquisa de variedades de sementes, tipos de preparo da terra e novos equipamentos, por exemplo.
O agronegócio brasileiro é moderno, competitivo no mundo inteiro, e é uma salvação para o Brasil por gerar divisas em quantidade extraordinária, o que ajuda, inclusive, a pagar as importações, o déficit de outros setores. Isso é muito bom, mas o que seria ideal é que o país fosse tão bom também nos produtos industrializados. A indústria nacional está atrasada e com baixa produtividade.
Claramente o agronegócio é progresso, não é uma coisa atrasada. Essa seria uma visão errada. Recentemente estive na Agrishow, em Ribeirão Preto, e você precisa ver a quantidade de drones novos que apareceram. Desde pequenos até aqueles enormes, que vão ser utilizados no plantio, no uso de inseticidas, no preparo da terra… é um setor que não se pode dizer que é atrasado. Ao contrário, é um setor muito avançado e muito competitivo.
Isso eu acho que pode crescer ainda mais. Citei a Agrishow porque fizemos diversas reportagens sobre a feira na CBN. Numa delas, tinha um entrevistado mostrando os novos drones, itens caros, na casa dos milhões de reais. E lá pelas tantas, as pessoas falaram que a taxa de juros está muito elevada e que estavam introduzindo o consórcio para adquirir drones e equipamentos. E o pessoal que fez a cobertura da Agrishow disse, de fato, que comparado às feiras anteriores, já tem mais consórcios aparecendo no setor do agronegócio. Eu acho que é um sinal bem interessante.
Porque poupar é um hábito. E aí é uma mudança de perspectiva até, porque na caderneta está poupando agora e no consórcio você poupa para usar lá na frente. Então tem esse lugar do planejamento. E com as tecnologias cada vez mais acessíveis, acho que as pessoas aprenderão a lidar melhor com suas finanças, a se programar, a planejar para o futuro. Consórcio cabe perfeitamente dentro desse pensamento. O exemplo da Agrishow mostra que mais setores estão procurando o consórcio, até para, de algum modo, fugir da taxa de juros.
O agronegócio continua sendo um setor muito eficiente e atraente, porque se renova todo ano. A mineração vai ser importante, pois vamos precisar de minerais raros para os computadores, chips e produções. Tudo o que tem a ver com tecnologia também. Por exemplo, está havendo uma grande demanda no nosso país por pilotos de drone. Quer dizer, como é que se imaginava isso há três anos? Então a tecnologia está mudando tanto, avançando tanto, que as profissões vão continuar se desenvolvendo.
EXTREMAMENTE EXTRAORDINARIO.
Que bom que gostou, Alcione!
Excelente a entrevista do economista !
Olá Luiz, tudo bem?
Que bom que gostou!!